"Aqui ninguém é louco. Ou então, todos o são." (Guimaraes Rosa, Primeiras Estórias)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Dono

Toda vida, toda minha,
Todo seu, nada meu,
Todo o mundo, suspiro profundo.

Todo aquele que nada têm,
Toda essa que de um dono vem,
Não sou teu, sou meu,
Meu!... Cadê o teu?

Assim, nada para mim,
Apenas o que é meu,
De teu, nada teu,
Tudo meu.

Aquilo que é vida toda,
Que todo mundo vida tem,
Dono, que nada tem,
Além, da vida tua,
Que de tua nada é,
Pois, nada tem.

(João Tozzi, 28/05/10)

terça-feira, 4 de maio de 2010

SAINDO DA SOMBRA

Certo dia, levantei-me com uma suspeita. Ainda que confusa, me pareceu no momento muito sensata, de que eu, e toda essa gente, vivíamos perdidos em um mundo absurdo.
Procurei, nesse mesmo dia, atender de corpo e alma a essa suspeita. Talvez esse “mundo absurdo” que eu residi por todo esse tempo, até aquele momento (em certa medida uma revelação) parecia-me um pouco confuso, de fato, mas ainda distante de ser absurdo.
Fui então, fazer uma visita a uma igrejinha da cidade. Pude reparar nas suas belas “imagens sacras” e em seus símbolos religiosos. Esses pareciam dizer mais do que uma coletânea de sermões papais.
Foi nessa ocasião que o padre começou a discursar sobre “boa conduta” e “garantias cósmicas” a toda aquela gente, que naquele momento era seu moribundo rebanho. O padre ia inflamando seu discurso para falar sobre o poder da fé, o rompimento com o mal e a recompensa divina.
Achava eu, tudo àquilo às avessas. As pessoas cantavam e se abraçavam, sorriam e rezavam. Tudo parecia bonito, mas tudo aquilo era uma espécie de conto. Um conto fantástico e de fantasia, enfim, um conto de fadas.
As pessoas após saírem da tal igrejinha voltavam a seu mundo profano, cercadas por todos os lados de rumores e descrença. As mesmas pessoas que se abraçavam lá na igreja desejando, umas as outras, a inalcançável “paz de Cristo”, em outro dia, na rua, no centro da vila, desviavam o olhar, e isso, eu mesmo pude verificar.
Assim, os dias foram se passando e essa minha suspeita confirmava que minha capacidade de ver o mundo tinha levemente se alterado. O bastante para achar o mundo, naquele momento, absurdo, mas sensível também “o bastante” para não ser enquadrado pela sociedade e pelo meu núcleo familiar como desvirtuado ou louco.
Os meus símbolos culturais ainda eram fortes o bastante para fazer-me suportar essas emoções e ainda dar certa precisão a meu pensamento (ao menos acredito nisso). Em meu peito ancorou novas fórmulas e idéias, além de recentes expressões emocionais. É como dizem os sábios de pouca falácia – É nas pequenas coisas que se encontra algum sentido que valha a pena lutar. E é nessa incessante luta pelas coisas pequeninas que se tem força para viver.
Com essa breve “filosofia” comecei a tirar de meus pensamentos as correntes do “absurdo” e assim clarificando pouco a pouco meus olhos. Confesso que todo esse processo é um pouco confuso e é difícil se ter uma noção exata do progresso. No começo permeamos na contradição. Pensamos e agimos, falamos e fazemos coisas distintas. Mas é com paciência que “essas coisas” parecem mudar. Vamos modelando nossas disposições, hábitos e compromissos. Vamos ficando crentes em nós mesmos e em nosso coração, sem despertar o fogo ameaçador da vaidade.
E é nesse ambiente de mudança que vamos recebendo certos “dons”. Aqui, dons ou simplesmente dom não é conceito que se faz popularmente dele – Sendo erroneamente afirmado como coisa promissora e de qualidades a serem veneradas, doados aos homens e mulheres sem o mínimo de esforço. Para eu e meu “mundo absurdo” o dom é algo também doado, mas antes, descoberto. E para se descobrir esse “dom” é necessário trabalho e empenho. Saímos do “dom divino” para o dom humano.
É certo que todos estão aptos a descobrir o seu dom, aquele ao menos que lhe cabe, que ele busca e não necessariamente ele encontra. Muitas pessoas padecem sem antes descobrir um único dom, e suas vidas se vão como se nunca tivessem existido. Sem dom, sem sentido, sem sentido, sem contemplação, sem contemplação, sem experiência, sem experiência, sem aprendizado, sem história, enfim, sem vida.
Com esses pequenos dons que fui (re) descobrindo, que comecei a me motivar. Essa minha nova “tendência” parecia-me persistente, diferente de “estados de espírito” que surgem e desaparecem como neblina. Essa motivação era como um novo estado permanente de existir. Era como que se tudo estivesse em um processo lento, mas gradual de clarificação. Esse processo todo me despertava novas emoções e mais que isso, me tornara mais sensível e mais comovente.
E foi assim, que eu parti como grão de areia levado ao vento pelo mundo, tentando torná-lo menos absurdo, uma purificação que não dispensaria o suadouro forçado nem o vomito induzido de tudo que é impuro e destrutivo.

(DAVID – ABRIL/10)