"Aqui ninguém é louco. Ou então, todos o são." (Guimaraes Rosa, Primeiras Estórias)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Oriente

O sol já nasceu. Olho com a ponta de meus olhos o vermelho fogo que invade os céus. Como um pássaro levanto vôo, igual a uma águia plaino sobre o ar e vejo os homens. Observo-os com os olhos de uma rapina e rio deles como ri a boca de uma hiena. Gracejo dos homens e das mulheres, zombo dos velhos e das crianças, acho graça no vadio cachorro que atravessa a rua sem ser atropelado. Também fico triste por eles. Dizem por aí, os sábios talvez, que o próximo passo da felicidade é a tristeza consciente. E eu sei lá o que seja esse tipo de tristeza, para mim ela é sempre dor, imperceptível e inconsciente.
Hoje acordei desse breve sonho e disse a mim mesmo que continuarei a sonhar amanhã. Sonhar é bom, renova o espírito e limpa à alma, é como um mergulho no rio e um banho de chuva ao mesmo tempo. É irreal, porém verdadeiro, é agradável embora perigoso. O sonho por vezes se torna em pesadelo e temos assim que nos vigiar. Dentro de nosso corpo habitam diversos espíritos que chamamos, por falta de sapiência, de humor. Esses distintos seres podem vir à tona de nossa consciência ou enraizar-se nas suas profundezas. Depende do uso que você faz deles.
Tua personalidade é o espírito primeiro, mais consciente de si mesmo. Quanto mais consciência você tem de seu ser, mais aflora seus outros espíritos. Para essas pessoas criativas damos o nome de artistas. Nunca se sabe quando eles falam a verdade, talvez penso eu, não haja verdade para os artistas, a não ser em seus próprios mundos, fantasiosos e cheios de personagens que eles mesmos criaram. Artistas! Esse é o nome que oferecemos a esses homens e mulheres que sabem lidar com seus espíritos. Oferecem a eles uma única casa, seu corpo, e diversos mundos que é sua imaginação. O problema em ser um artista seja ele poeta ou músico, pintor ou escritor é que em algumas ocasiões suas criações (espíritos) se tornam mais interessantes que eles próprios.
Deixando artistas de lado, gosto de falar em sonhos e por vezes pesadelos. Um é oposto do outro como o dia e a noite, apesar de ambos serem igualmente conscientes e inconscientes. Assim como na vida, trazemos para nosso sentido o que bem entendemos e isso se chama livre arbítrio. Agimos porque queremos, mesmo que em algumas ocasiões essa ação seja contra nossas vontades. É como sonho que se torna pesadelo, indesejável momento pedido por nós!
Essa noite sonhava que era um Jaguar, uma fera enorme toda negra perdida na noite. Eu era como o próprio filho da noite, escuro, invisível, misterioso e tão notável. Meus olhos eram como estrelas, amarelados, brilhantes, admiráveis e ao mesmo tempo observadores. Observava tudo, o sussurro do vento, a canção das arvores e o suspirar dos animais que entravam na viagem do sono. Enquanto todos no bosque dormiam, apenas eu, um enorme Jaguar estava desperto e disposto. Enquanto todos se aventuravam no reino da fantasia eu construía meu próprio mundo, solitário como um felino deve ser. Por ultimo nessa linda noite sentei sobre um enorme rochedo que estava acima de tudo e de todos, era incrivelmente uma montanha de pedra. Lá nem mesmo os símios podiam escalar, acima do maior carvalho, acima da mais alta palmeira, onde se podia do topo enxergar as nuvens de cima. Nesse rochedo onde apenas os Condors podiam sobrevoar e quem sabe a imaginação de um ou dois homens durante o sono eram capazes de adentrar, que eu, uma solitária fera sentei.
Soltei um rugido estrondoso, tão alto que ainda sim ninguém na floresta pode ouvir. Nesse momento, sobre o oriente, o maior de todos entre nós da natureza surgiu suspenso no ar. Tudo gravitava a seu redor, nada era maior que ele. Despertou e sussurrou como se dissesse: Não devo nada a ninguém e de mim o dia nasce e tenho o poder de acordar todas as criaturas desse mundo. Nesse instante quando o sol pintou o céu de vermelho, eu, assim como o astro maior despertei. Em forma de homem acordei de um sono profundo tendo em mente um único objetivo. Voltar a esse mundo maravilhoso todos os dias de minha rara vida, para depois acordar e novamente ter o mesmo desejo.

(David Lugli - 2009)

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