"Aqui ninguém é louco. Ou então, todos o são." (Guimaraes Rosa, Primeiras Estórias)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Farsa

Entre a vigília e o sonho, pensamento me esclarece:
Essa é uma história de milhões,
De uma imensa massa de gente acorrentada,
Presa, sufocada, reprimida e desorientada.

O relógio bem diz que é hora de acordar
Cenas repetidas todas as manhãs
O mesmo armário, roupas, cama.
O bocejar do sem graça, do sem cor, do sem amor
Tudo é tão igual, é mais um dia entre todos os dias.

Mais uma vez no escritório, na fabrica, no hospital, etc.
As mesmas caras, as mesmas pessoas, as mesmas conversas
A repetição eterna, sem fuga, sem afago.

No fim de tarde é hora de ir embora (hora feliz!)
Uns retornam a casa, outros vão à escola.
Tem aqueles de academia e de caminhada.
Todos os dias a ida do mesmo retorno.

Enfim, chega o final de semana
Pensamos: “Estamos livres”
Não amigos! É apenas um tempo agudo que massacra nossa liberdade
Somos iguais cachorros de canil levados para um passeio matinal.

Não somos livres e é isso que quero dizer
Estamos presos, guardados, amordaçados pela rotina
E pergunto: Por quê? Para que?
Se quiseres podes responder um milhão de coisas
Dentre elas escolho estas:
Para acumular reservas financeiras de segurança,
Para garantir um futuro seguro e melhor,
Para a viagem de tua vida,
Para sustentar sua família com televisão e microondas, ou
Para se sentir útil na maquina perversa da sociedade burguesa!

Digo: Que sonhe os infelizes
Também sou um de vocês
Não nego minha condição, mas nem por isso sou hipócrita.
Quero sair da maquininha que nos esgota
Que nos faz perder a critica, a energia e a fé.
Digo a vocês que nossa imaginação e nossos sonhos
Formam o nosso paraíso na terra
Mas, não querem que esse paraíso exista para cada um de nós
Pois, se assim fosse, como iriam nos manipular, nos persuadir, nos enganar?

Quando acordar logo pela manhã, pense:
Será que nossa vida deve ser um “eterno cotidiano”?
O que se pode mudar?
O que, hoje, posso mudar?
Como, agora, posso me mudar?
Será que devemos, para sempre, ser feito conteúdo de um molde?
Uma estatua de gesso com forma pré-concebida?
E o que é pior, já elaborada antes mesmo de nascermos?

Se esgote em tentar responder estas questões
Pelo menos, esse esgotamento não será em vão
É uma tentativa – que já aviso de antecedência – será oprimida pelos outros.
Mas pense por si e não pela maioria
Tu sabes que eles são conduzidos,
Maquiados e manipulados perversamente
Pela mídia, pela indústria, pelo consumo e pela religião.
Sabes que isto é verdade muito antes de eu dizer!

Se não fosse, pelo menos, viveríamos com um pouco de paz
Não seríamos tão agressivos e individualistas,
Egoístas e maquiavélicos.
Se ainda achas que não é bem assim,
Então amanhã, de manhã, quando acordar,
Levante esse pescoço travado e olhe.
Depois de olhar repare, reflita e entenda finalmente o por que!

Por que os rios estão mortos?
Por que não há mais matas que cidades e latifúndios?
Por que os pássaros não cantam mais em nossos terreiros?
Por que as crianças se lançam nas drogas e no crime?
Por que só os pobres e miseráveis estão nas prisões públicas?
Por que grandes criminosos são nossos governantes?
E veras tantos outros por quês!
Que sentirá uma repulsa, um enjôo, uma falta de ar.
Perceberá, finalmente, a grande farsa
Esta grande mentira, tudo isso que é sombrio e ilusório
Toda essa vida vivida sem cor nem sabor,
Sem reflexão nem pensamento.
Aí lhe peço encarecidamente que corras
E se livre dos primeiros grilhões que te prendem
Vá para seu lugarzinho de infância,
Ou em meio à paz da natureza.
Reflita muito, coloque os pensamentos na calmaria do lugar
Veja se teus atos são também uma farsa
Se forem e tu se sentir incomodado, mude!
Mova-se enquanto é cedo, não te negue mais.
Abstenha-se, remodele-se, vire-se e desvire-se, ria, leia, escreva, converse.
Jogue tudo para o ar e apanhe só aquilo que lhe é útil.
Não seja dominado, mas também não se transforme em dominador.
Saia desta regra inútil e destrutiva.

Plante uma arvore e veja-a crescer, florescer, dar frutos e replicar.
Escreva tua vida toda em poesia,
Ame sua mulher todos os dias
Como fosse o dia que a conheceu,
Ame a natureza, sinta o sabor das frutas,
Jogue seu bagaço e sua casca na terra
E veja-a tornar-se preta e fértil,
Faça uma horta, um pomar,
Admire os ninhos e a ninhada das aves,
Observe a chuva e sua posterior calmaria,
Repare ao anoitecer a fauna que aparece
Para viver sob a lua e as estrelas.
Note as estrelas, conte-as e diga a si mesmo
Que cada uma delas é um sonho não realizado.
Sendo assim, realize um sonho por dia,
Viva a vida plenamente e verá que ela não tem fim.

Mas, se porventura achares que tudo isto não passa de linhas
Cheias de palavras inocentes,
E, se já não for mais capaz de imaginar, de se reciclar.
Coloque seu relógio as 06h00min e acorde,
Lave seu rosto, tome seu café, boceje sem graça mais uma vez
E vá trabalhar, esperando que um dia, enfim, tua pobre vida acabe!

(David, Junho de 2010)

Um comentário:

Rafaela disse...

"As mesmas caras, as mesmas pessoas, as mesmas conversas
A repetição eterna, sem fuga, sem afago."

é assim mesmo.

belo poema, David. (nao q eu entenda, mas gosto)